Tuesday, November 29, 2005

Ciência para cérebros, corações e espíritos

Foi com grande satisfação que vi nas bancas de todo Brasil os DVDs da famosa série de Carl Sagan, Cosmos, produzida em 1979 pela PBS e remasterizada em 2000. Devem aparecer 7 DVDs contendo 13 episódios de 1h cada. Apesar do formato do documentário ter influenciado muito os que se fazem hoje, Cosmos apresenta aspectos únicos. Carl Sagan faz uma apresentação melodramática da ciência seguindo a filosofia de um programa dedicado a “cérebros, corações e espíritos”. Felizmente os programas não são dublados (o espírito do programa seria totalmente quebrado com Carl Sagan tendo a voz do Scooby Doo ou Alf) e o inglês de terminações longas de Sagan pode ser apreciado. O ritmo do programa é lento, Sagan aparece pensando e refletindo sobre o que foi mostrado, a música acompanha. Apesar da idade, o programa continua atual, com poucas atualizações a serem feitas, o que denota a excelente qualidade científica da produção. Em vez de somente preocupar-se com efeitos especiais o programa se concentra em idéias, em como o drama da ciência se desenrolou ao longo da história da humanidade. Um espectador suficientemente sensível poderia chorar com a descrição da destruição da biblioteca de Alexandria, construída ao longo de vários séculos utilizando, entre outros, o recurso do que hoje seria chamado de “pirataria” do conhecimento.

Quando morreu de câncer em dezembro de 1996, aos 62 anos, Carl Sagan era provavelmente o astrônomo mais conhecido no mundo. A sinergia da indústria de best-sellers e programas televisivos com os talentos de Sagan transformaram-no num superstar científico. Ele foi também um pesquisador e professor que ajudou a criar duas novas ciências multidisciplinares: a ciência planetária e a exobiologia (também chamada astrobiologia). Nesses campos ele percorreu diversos aspectos da ciência, entre eles a origem da vida, a busca por inteligências extraterrestres e os possíveis desastres climáticos, como o "inverno nuclear", que poderiam fazer desaparecer nossa civilização.

O entusiasmo e a celebridade incomum de Sagan fez com que ele pudesse despertar o interesse do público na ciência, ao mesmo tempo que combatia a pseudociência, o charlatanismo e o irracionalismo, tão em modo na cultura popular urbana. Ele costumava afirmar que a ciência era muito mais fascinante e estranha do que a nossa imaginação jamais poderia conceber. Muita falta nos faz Sagan agora quando o criacionismo e sua nova versão chamada “intelligent design” atacam novamente com força redobrada, sob o escudo de uma forma de pós-modernismo. .

Um dos trabalhos mais conhecidos de Carl Sagan foi seu romance " Contato" , escrito em 1985 e levado às telas em 1997 no famoso filme do mesmo nome em que Jodie Foster faz o papel de uma astrônoma que acabou descobrindo sinais extraterrestres. Apesar de especulativo, o livro é baseado em eventos verossímeis, incluindo o impacto psicológico que um sinal extraterrestre teria na nossa civilização. Sua preocupação com a fidelidade à física levou-o a pedir ao seu colega Kip Thorne a elaboração um modelo físico de máquina do tempo, um dispositivo que aparece em seu romance.

A personalidade de Carl Sagan foi sempre bastante controversa no seu próprio meio. Ele foi muito criticado por seus colegas astrônomos por fazer especulações em áreas nas quais ele não era um especialista. Seus defensores podem afirmar que um divulgador de ciência inevitavelmente irá falar sobre temas que não são sua especialidade. Possivelmente uma das causas para a grande quantidade de críticas que recebeu de seus colegas era possivelmente inveja. É comum que a mídia propague a idéia de que um grande divulgador científico é também um dos mais proeminentes pesquisadores de sua área, de modo que muitos astrônomos profissionais de grande produção científica podem ter se sentido injustiçados. O sentimento de ciúmes científico contra Sagan se tornou tão proeminente que ele chegou a ser barrado de fazer parte da Academia Nacional de Ciências. Mesmo sua nominação para uma homenagem póstuma encontrou obstáculos.

Certamente Sagan dedicou mais tempo à divulgação do que à pesquisa, mas seu papel foi também fundamental para o programa de exploração espacial norte-americano. Sem ele, provavelmente o programa das sondas espaciais Pioneer e Voyager, enviadas para os confins do nosso sistema solar, não teriam tido a divulgação que tiveram entre os jornalistas e sem ela, muito menos fundos do governo. Quando as sondas espaciais Pioneer 10 e 11 foram projetadas para serem as primeiras a serem enviadas a Júpiter e Saturno, os físicos e engenheiros da Nasa descobriram que eles tinham incidentalmente criado as primeiras naves interestelares. Após passarem pelos grandes planetas elas seriam lançadas para fora do sistema solar onde vagariam pela galáxia por bilhões de anos. Algum dia elas poderiam ser encontradas por alguma civilização. Houve então a idéia de incluir uma mensagem nas naves. A Carl Sagan coube tal tarefa. Numa placa metálica foi feito um engenhoso mapa estelar, indicando nossa posição na galáxia. Para mostrar quem havia feito a placa, foram também impressas as imagens de um homem e uma mulher. Como esses humanos eram representados nus, a NASA recebeu reclamações por estarem mandando pornografia ao espaço.

Àqueles interessados num excelente tipo de divulgação científica e reflexões sobre a condição dos humanos no universo, e que não gostam de ser tratados como idiotas (como é o caso de tantos livros de divulgação atuais) recomendo os vários livros escritos por Carl Sagan, entre eles Cosmos, Pálido Ponto Azul, Contato e o póstumo Bilhões e Bilhões, lançados no Brasil, pela editora Companhia Das Letras. Além disso, recomendo a visita ao site http://www.carlsagan.com.

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